Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de pandemia para a Covid-19, diversas tentativas de conter a disseminação do vírus foram propostas e implementadas, como, por exemplo, o isolamento social da população. A baixa atividade humana dos últimos meses gerou uma série de consequências e impactos, e, no tangente ao meio ambiente, muitas das mudanças foram positivas.
Uma das imagens mais impactantes dos efeitos da pandemia na natureza, o Himalaia visívelpela primeira vez após 30 anos (Imagem: A.Kumar/Pixabay) |
O professor do Programa de Pós-graduação em Ecologia, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fabrício Alvim Carvalho, afirma que as medidas de quarentena são positivas não só para a sociedade, mas para a fauna e flora silvestres. “É nítida a diminuição da exposição humana à poluição ambiental; consequentemente, diminui-se também os problemas respiratórios relacionados. De certa maneira, também é positivo para a fauna silvestre, igualmente exposta a essas elevadas concentrações de gases.”
O Conselho Central de Controle de Poluição da Índia (CPCB) verificou uma mudança significativa na qualidade do ar, que melhorou cerca de 33% entre os dias 16 e 27 de março. O país, com aproximadamente 1,4 bilhão de habitantes, segue a política de quarentena desde o dia 22 de março. Possíveis explicações para a queda da poluição são a considerável redução no tráfego de automóveis e a inatividade de indústrias. Uma das maiores consequências ocorreu no norte do país, onde moradores conseguem ver o Himalaia – a 200 quilômetros de distância – pela primeira vez em 30 anos, além de também relatarem mais estrelas visíveis.
Queda nos níveis de NO2 e CO2
O fenômeno, no entanto, não é exclusivo da Índia. Imagens de satélite mostram que a pandemia do coronavírus está temporariamente diminuindo níveis de poluição do ar ao redor do mundo. Especialistas apontam a quarentena como o evento de maior escala já registrado em termos de redução de emissões industriais. A Agência Espacial Europeia (ESA) detectou ainda uma redução de dióxido de nitrogênio (NO2), composto químico que contribui para a poluição atmosférica e para a chuva ácida. O NO2 é resultado de emissões de carros e outros processos industriais, podendo, entre outras coisas, causar problemas respiratórios.
Canais de Veneza também estão mais limpos e cristalinos, estado que não atingia há 60 anos (Imagem: Gerhard Gellinger/Pixabay) |
Já em Nova York, pesquisadores apontaram uma queda dos níveis de carbono em mais de 50% abaixo da média. Na China, o fechamento de lojas e indústrias resultou uma queda de 25% nas emissões de dióxido de carbono (CO2), o que equivale a uma redução global de 6%. Na Itália, país que sofre com o isolamento social há mais tempo, golfinhos foram filmados nadando no porto de Cagliari, capital da ilha de Sardenha. Os canais de Veneza também estão consideravelmente mais limpos e cristalinos após uma semana de quarentena, estado que não atingia há 60 anos. Pesquisadores explicam que o lodo do rio, que geralmente ficava na superfície graças à movimentação de barcos, afundou e foi transportado pelo fluxo da água, que também está mais intenso.
Ceticismo
Por outro lado, o professor de Engenharia da UFJF, Cézar Henrique Barra, salienta a existência também de impactos ambientais negativos. “O maior deve ser na produção de alimentos. As pessoas estão em casa, consequentemente consumindo mais comida, água, energia, serviços como comunicação, e gerando muitos resíduos. Creio que a geração de lixo seja o segundo impacto mais considerável. Em contrapartida, o ar está mais limpo e até a água dos rios pode melhorar; um freio necessário para uma sociedade imediatista e egocêntrica.”
O outro lado da questão aponta que, sempre em meio a crises econômicas, políticas de proteção ambiental são afrouxadas, e aceleração da produção industrial pode voltar a causar os mesmos danos à natureza (Foto: Ralf Vetterle/Pixabay) |
Essas mudanças ambientais, no entanto, são de teor temporário. São alterações de curto prazo, dependentes do que está acontecendo atualmente, sem uma garantia de durabilidade, conforme explica Carvalho. “Tenho uma visão muito cética e realista quanto aos problemas ambientais da humanidade. Eu não acredito, enquanto especialista, que essa pandemia será o suficiente para romper esse paradigma de consumo exagerado, que é a principal causa de degradação da natureza”, observa.
“É óbvio que uma pequena parte da sociedade, com mais informação e um pouco mais de consciência ambiental, vai diminuir seu padrão de consumo. Mas, para o geral, é algo momentâneo. Não há o que se comemorar em médio ou longo prazo, pois, ao contrário de uma possível paralisação por uma questão de conscientização ou uma súbita revolução da consciência ambiental e de políticas de sustentabilidade, essa quarentena é pura e simplesmente uma imposição forçada por um problema de saúde pública. Isso é muito momentâneo, e assim que a pandemia acabar, as coisas voltam ao normal.”
Nova “normalidade”
Por outro lado, Barra acredita que as alterações socioambientais podem resistir no período pós-pandemia. “Esses impactos perdurarão por muito tempo devido ao novo modelo de sociedade que teremos de aprender a viver. Não voltará a ser como antes; a palavra “normalidade” terá que ser relativizada. Teremos que nos adaptar a uma nova ordem, a novas formas de relacionamentos, sejam profissionais ou pessoais. Mais respeito ao planeta e ao próximo.”
Carvalho aponta ainda a maneira como políticas ambientais sempre são afetadas em momentos de crise econômica. “Só será possível traçar uma estratégia para frear a degradação ambiental se os governos, de maneira geral, não afrouxarem suas políticas de meio ambiente. O que temos acompanhado, entretanto, é que sempre que essas crises econômicas aparecem, essas políticas são impactadas e afrouxadas. Na última crise, em 2008, os programas de redução de CO2 foram fragilizados. Sempre que o mundo é acometido por uma crise econômica, há um grande apelo para que a economia seja restabelecida de forma muito acelerada, o que gera várias excepcionalidades, várias concessões para fragilizar as políticas de meio ambiente.”
Conforme a pandemia se alastra, medidas de quarentena vêm sendo prorrogadas em todo o mundo. Barra traça um possível cenário do que pode acontecer caso o isolamento social perdure por muito tempo: “O primeiro impacto socioambiental de um afastamento prolongado será na produção de alimentos, um fator chave para evitar conflitos sociais. O segundo serão os empregos. No caso do ensino, será necessário evoluir a educação das escolas públicas com o apoio de canais de televisão e celulares, desde que sejam comuns a todas as classes”, ressalta.
“Essas novas formas de relação a distância, sem tanta necessidade de transportes e de um crescimento exacerbado, vão favorecer a recuperação dos sistemas ambientais. Muitas extinções previstas terão alguma chance de ser revertidas em ecossistemas menos alterados e mais equilibrados. Creio que o impacto ambiental será positivo e trará alguma perspectiva para as futuras gerações. O ser humano tem sido o maior problema do planeta Terra; ele terá essa única chance de mudar o seu status para algo mais humano.”
Fonte: Portal UFJF
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