Por Abdon Marinho
HAVIA reservado a manhã de sábado para escrever – como, aliás, faço quase sempre. Diversos assuntos já constavam da pauta, além da costumeira cobrança de alguns amigos para manifestar-me sobre outros. Mais eis que surgiu a polêmica envolvendo o secretário nacional de cultura, Ricardo Alvim, e o seu famoso vídeo de estética claramente nazista, tornando o assunto incontornável e, portanto, passando à frente das demais pautas. Paciência!
Qualquer pessoa desde que com um mínimo de discernimento e isenção reconhece que o governo do senhor Bolsonaro está repleto de bons quadros, talvez os melhores do país, em algumas áreas – se não fosse assim não teríamos os bons resultados que vem apresentando até aqui, a despeito de toda a torcida contrária e da sabotagem interna que sofrem –, ao lado destes, em maior número e com amplo espaço de manobra, estão os famosos “sem noção”, a começar pelo próprio presidente, que dia sim e no outro também, emite declarações tolas, muitas das vezes ofensivas, que só encontram apoio de outros “sem noção”, de dentro ou de fora do governo.
A polêmica envolvendo o ex-secretário nacional de cultura tem as digitais das patas destes últimos.
Pouco depois de participar da tradicional “live” do presidente, na qual foi elogiado pelo próprio que o apresentou como a solução para a cultura brasileira, o secretário dirigiu-se ao órgão que conduzia há dez semanas e produziu o vídeo que o derrubou menos de 12 horas depois, na esteira das pressões feitas por entidades da sociedade civil, autoridades e, até mesmo, de governo estrangeiro, no caso, o de Israel.
Os primeiros questionamentos que fiz, ao tomar conhecimento da história, foi se o ex-secretário tinha ideia do estava fazendo o tal vídeo; se foi uma ação pensada e deliberada a reprodução da “estética nazista” em uma peça sobre a proposta do governo; Ou se foi apenas mais uma atitude “sem noção” de uma parte da ala do governo, entre as tantas com as quais já brindaram à patuleia.
Fiz ainda as seguintes perguntas: Fez para chocar a sociedade? Tinha noção do significado do estava fazendo?
Ora, ficou bem claro para qualquer um com conhecimento mínimo de história que houve uma reprodução da chamada “estética nazista”. Não foi apenas o estilo engomadinho; a câmera a meio plano”; o ambiente asséptico; a música de Wagner; ou, mesmo, o plágio (literal em alguns trechos) do discurso de Goebbels, foi o conjunto da obra.
Poderia ter feito o discurso todo engomadinho, com uma camada de gel na cabeça e com câmera a meio plano. Sem a trilha sonora e o plágio ninguém iria fazer alusão ao nazismo; poderia até fazer o plágio que sem os demais elementos não iriam perceber ou, percebendo, não iria escandalizar tanto.
Já a trilha sonora de Richard Wagner, sozinha, também, pouco ou nada significaria, além do que é: boa música.
O alemão Wagner nasceu em 1813, em Leipzig, Alemanha e morreu em 1883, em Veneza, Itália, ou seja, muito antes da ascensão e queda do Nazismo. Sua obra é vasta – não apenas no campo da música –, e, dizem abriu caminhos para a música moderna. Vinculá-la ao Nazismo, pelo fato de Hitler ter sido seu fã ou pelo fato da mesma ter sido executada em Campos de Concentração não passa de desonestidade intelectual.
O pobre Wagner, a despeito de sua grande contribuição para a cultura universal, morreu na miséria e exilado, fugindo dos credores.
O fato de Hitler ter sido profundo admirador de sua obra não a torna cúmplice das monstruosidades que ele e os seus aduladores – entre os quais Joseph Goebbels –, praticaram contra a humanidade e contra os judeus, em particular.
É verdade que durante muitos anos a obra de Wagner foi proibida de ser executada no estado de Israel, mas mesmo esse tabu caiu há alguns anos.
Ah, para aqueles que não sabem, a marcha nupcial (bridal chorus) executada em, praticamente, cem por cento dos casamentos ao redor do mundo é de autoria justamente de Richard Wagner, isso não torna os nubentes ou mesmo os simples apreciadores dela e de tantas outras obras, nazistas, não mesmo.
Como disse anteriormente o que desgraçou a performance do ex-secretário nacional de cultura foi a conjunção dos elementos compondo a estética nazista. Se fez para “copiar” Goebbels ou simplesmente como “sem noção”, já pagou o preço com a exoneração do cargo.
O presidente Bolsonaro, o sem noção-mor da República, pelo que li, ainda relutou, teria se dado por satisfeito com o pedido de desculpas e com a atribuição de culpa ao anônimo assessor, mas, foi vencido pela pressão das ruas. Fez bem em ceder rápido e evitar que o assunto se prolongasse por mais tempo.
O episódio, entretanto, deveria servir para inspirar as forças de políticas de oposição, principalmente as de orientação marxista/leninista.
Estas fizeram o maior escarcéu contra o ex-secretário e contra o próprio presidente – com razão –, mas é incapaz de olhar os milhões de cadáveres das ditaduras comunistas do passado e do presente; bem como, diversos outros regimes totalitários que apoiam. Muito pelo contrário, ainda hoje “pagam pau” para os antigos ditadores da União Soviética, da China, do Camboja, de Cuba, da Coreia do Norte, da Albânia, etcetera.
Deveria inspirar, também, tantos quantos são estes que fustigaram e pediram a “cabeça” do ex-secretário por uma performance de inegável mau gosto e de inspiração nazista – cujo o horror e flagelo ceifou milhões de vidas há mais de setenta anos –, a fazerem o mesmo em relação aqueles políticos nacionais que ainda hoje defendem, como doutrina política, os modelos totalitários que também ceifaram e ainda hoje ceifam milhões de vidas ao redor do mundo.
Os exemplos estão aí à vista de todos. Outro dia um vereador do PSOL do Rio de Janeiro apresentou uma moção de louvor ao ditador da Coreia do Norte Kim Jong-Un. Acredita-se que ninguém, muito menos os esclarecidos que protestaram contra a “estética nazista” do ex-secretário de cultura, ignorem o que passa naquele país, onde a posse de uma Bíblia é motivo de prisão; onde milhões de cidadãos e suas famílias amargam pela eternidade em campos de concentração até piores que os nazistas; onde as penas passam das pessoas dos supostos infratores alcançando sua ascendência, descendência e colaterais. Não estamos falando de fatos passados, mas sim, que estão acontecendo neste momento.
Pois é, não se ouviu nenhum protesto e o vereador continua no seu cargo.
É o mesmo silêncio cúmplice que se observa em relação ao que acontece em Cuba, na China, no Camboja e na Venezuela. Modelos políticos do presente reconhecidos pela opressão política aos opositores, as divergências, e pelas violações dos direitos humanos.
Para estes – e para os crimes contra a humanidade que estão sendo praticados neste momento –, os nossos políticos dispensam aplausos e moções e não se ouve de entidades da sociedade e dos seus aduladores, um lamento ou protesto.
Por último, na falta do que fazer ou pela falta de vergonha na cara, estes mesmos políticos estavam defendendo a ditadura teocrática do Irã, outro regime reconhecido pelos massacres contra a população que ouse protestar e pelos assassinatos das pessoas que não vivem conforme a “cartilha” do regime ou mesmo por possuírem uma orientação sexual diferente.
Desconhecem a execução pública de homossexuais no Irã e tantas outras violações contra mulheres e/ou minorias?
Custo a compreender como uma tosca apologia a um modelo, já execrado no passado, cause mais protestos que as apologias a modelos presentes tão ou mais criminosos que aqueles.
Definitivamente, vivemos tempos estranhos.
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