Por Abdon Marinho
Uma das qualidades da gestão eficiente é antecipar-se ao que pode vir acontecer. No presente caso, tudo estava mais que certo, os processos estavam “correndo”, o governo “perdendo”, sabiam que mais cedo ou mais tarde iriam ter que fazer as implantações.
Se não se “preveniram”, que arquem com as consequências de seus atos.
UM AMIGO, dos mais queridos, cobrou-me uma posição a respeito de um polêmico decreto do governo estadual. Tinha visto a matéria nos diversos meios de comunicação, porém, pelo inusitado do tema, achei tratar-se de exagero da mídia.
Diante da provocação fui atrás da fonte: o decreto. Encontrei-o, sob o número 34.593, de 30 de novembro de 2018, publicado na edição do Diário Oficial do Estado do dia 03 de dezembro pp., composto de três artigos, vai assinado por sua Excelência, o governador e pelo Secretário-Chefe da Casa Civil.
Amante das boas construções da fantástica língua portuguesa, devo confessar que achei o decreto, apesar de simples (apenas três artigos), de uma extraordinária riqueza linguística. O artigo primeiro, que encerra a principal polêmica, afirma aquilo que, em tese, nega.
Vejam: “A implantação de qualquer vantagem oriunda de decisão judicial será cumprida mediante existência de dotação orçamentária e financeira atestada pela Secretaria de Estado de Planejamento e Orçamento – SEPLAN”. Fantástica a construção da frase. Os autores do decreto dizem que a decisão judicial “será cumprida”, para depois impor uma condicionante e colocar acima de todo o Poder Judiciário do Estado, quiçá do País, o servidor de terceiro ou quarto escalão da burocracia estatal responsável pelo “ateste” da existência de dotação orçamentária e financeira.
Um único artigo – de magras três linhas –, com tanta riqueza linguística e significações.
O “cumpra-se” dos magistrados, que aprendemos na faculdade, possui a força, esse sim, de decreto-lei, ficando condicionado ao que vai dizer, com todo respeito, o seu Zezinho da Silva, encarregado de zelar pelas dotações orçamentárias.
Decerto que ninguém prega ou deseja que sejam violadas a Lei Complementar 101/2000 (a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF), a Lei Orçamentária Anual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias ou mesmo o Plano Plurianual, invocadas no considerando único do decreto, pelo contrário, entretanto, não se pode deixar de reconhecer que existem regras escritas ou não que precedem tal ordenamento.
Uma das regras mais elementares do direito é que os Poderes do Estado são harmônicos, porém independentes.
Como fica essa independência se uma decisão judicial para ser cumprida precisa passar pelo crivo, pelo “aprovo” do servidor (e digo isso com todo respeito) encarregado de verificar se existe ou não dotação orçamentária?
O “aprovo” do seu Zezinho, no campo prático, passa a ter mais relevância que o “cumpra-se” do magistrado.
Outra regra elementar de convivência nas democracias é aquela que estabelece que as decisões judiciais existem para serem cumpridas. Aprendemos isso logo no primeiro ano do curso de direito e as pessoas sensatas, nem precisam estudar direito para saberem disso.
Não se quer dizer com isso que as decisões judiciais são imutáveis e não podem ser contestadas. Longe disso, podem e devem, quando necessário, sofrerem contestação dos insatisfeitos e/ou irresignados. É para isso que servem as instâncias superiores da Justiça.
O que não se pode admitir é a afirmação de que não se vai cumprir as decisões judiciais ou que se coloquem “condicionantes” ao cumprimento das mesmas.
Admitir isso ou ter tal proceder como normal ou razoável é concordar com o retorno da barbarie.
Ora, ao Estado foi permitido todas as chances de recursos, embargos, rescisórias e tudo mais admissível no direito (e até algumas outras estranhas a ele), os processos, antes de chegar à fase de execução, “frequentou” todas as instâncias do Poder Judiciário, examinado por juízes, desembargadores e ministros, por diversas vezes, todos, à unanimidade ou por maioria, assentiram que ao estado não assiste razão.
Não faz sentido que agora, na hora do cumprimento, o estado venha dizer que não pode implantar o direito do servidor (o decreto trata é disso) sem o “aprovo” do seu Zezinho que fiscaliza o cumprimento das dotações.
Causa-me estupefação que o Poder Judiciário e mesmo o Poder Legislativo não tenham se manifestado de forma mais veemente em relação à gravidade do decreto do Poder Executivo.
Observem, que embora com palavras bonitas e bem postas, recursos linguísticos disfarçados, para negar direitos reconhecidos por todas as instâncias judiciárias, o Executivo institui a instância do seu Zezinho. Ou seja, a última palavra no cumprimento das decisões judiciais será data pelo servidor encarregado de verificar a dotação orçamentária. Com todo respeito, não faz nenhum sentido.
Os processos judiciais – infelizmente –, duram anos, até pelo excessivo número de recursos propostos pelo o governo estadual. Com as derrotas constantes, sabia-se que uma hora a conta chegaria. Por que não se programaram e fizeram inserir nas leis as previsões destas inserções?
Uma das qualidades da gestão eficiente é antecipar-se ao que pode vir acontecer. No presente caso, tudo estava mais que certo, os processos estavam “correndo”, o governo “perdendo”, sabiam que mais cedo ou mais tarde iriam ter que fazer as implantações.
Se não se “preveniram”, que arquem com as consequências de seus atos.
O que não se pode e não é admissível que se faça é transformar o seu Zezinho na instância “revisora” do Poder Judiciário.
Cabe observar que não é de hoje que os atuais donatários do poder estadual, ante a omissão dos magistrados, fazem “pouco caso” das decisões judiciais, e não apenas nos casos relativos às implantações de vantagens a servidores, muito mais grave que isso é o “retardo” ou o simples descumprimento das ordens de reintegração de posse.
Cada dia temos notícias de pessoas que tiveram suas propriedades invadidas que, apesar das decisões judiciais favoráveis, não foram reintegradas. Basta andar pelas estradas do Maranhão para testemunhar o que digo.
Assistimos, como no passado, a proliferação de “ocupações” que, exceto, pelos espertalhões que ganharão dinheiro com a especulação imobiliária, não interessa a ninguém. Mas, o governo, acredito que por convicções ideológicas, não toma providências. Nem mesmo para fazer cumprir com presteza as decisões judiciais.
Certa vez falei com um magistrado sobre uma situação do tipo em que atuava como patrono do proprietário estilhado de sua posse, reclamava uma liminar para reintegra-lo. O magistrado com muita honestidade e franqueza respondeu-me: “— doutor, o senhor está certo, mas não vou proferir uma decisão para a mesma não ser cumprida”.
O fato que narro a partir da minha experiência pessoal, tem acontecido com absurda frequência nos últimos anos. Assim como acontecem em sentido reverso, quando o governo estadual unido a interesses privados, não tem medido esforços para retirar de suas posses e propriedades os cidadãos da localidade Cajueiro, assunto que será objeto de um texto específico.
São acontecimentos de gravidades ímpares. Temos servidores que tendo percorrido todas as instâncias judiciais, estão, por decreto, impedidos de auferir seus direitos sem antes contar com o “aprovo” do seu Zezinho, são cidadãos proprietários ou posseiros sendo esbulhados de seus bens sem terem a quem recorrer pois as decisões judiciais são ignoradas ou retardadas.
Dizem que isso são “avanços”. Tenho por mim que estamos na vanguarda do atraso.
Retorno ao decreto nº. 34.593, de 30 de novembro de 2018.
Sempre que os atuais donatários do poder pretendem “fustigar” os antigos senhores do Maranhão, dizem que foram uma “monarquia” que pretendiam (ou pretendem) retornar ao poder. O próprio governador já foi admoestado por isso pelo grupo de monarquistas local que usando de inteligência incomum o chamou de ignorante.
Pois bem, logo que tomei conhecimento do decreto fui à Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824, verificar se haveria alguma similitude com o Poder Moderador. Não tinha.
Dizia aquela Carta: “Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador I. Nomeando os Senadores, na forma do Art. 43. II. Convocando a Assembléia Geral extraordinariamente nos intervalos das Sessões, quando assim o pede o bem do Império. III. Sancionando os Decretos, e Resoluções da Assembléia Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62. IV. Aprovando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciais: Arts. 86, e 87. (Vide Lei de 12.10.1832) V. Prorrogando, ou adiando a Assembléia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua. VI. Nomeando, e demitindo livremente os Ministros de Estado. VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154. VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condenados por Sentença. IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado. (Redação original)”.
Como podemos constatar o poder do Imperador era imenso, no exercício do Poder Moderador, mas não consta o descumprimento das sentenças. Observem que podia até suspender juízes, nos casos previstos na Constituição; perdoar ou moderar as penas impostas e mesmo conceder anistia, mas não “descumpri-las” simplesmente.
O Maranhão inova mais uma vez e cria o cumpra-se, conforme a vontade Del Rei.
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