SÃO PAULO - O segundo turno da
eleição presidencial evidenciou a existência de duas "bolhas", dois
grupos que não se tocam, que não conseguem se ouvir nem dialogar entre si. De
um lado, eleitores e simpatizantes de Jair Bolsonaro (PSL); do outro, eleitores
e simpatizantes de Fernando Haddad (PT). Fechados no conforto de suas redes
sociais, em grupos de WhatsApp que só reverberam informações que confirmam suas
próprias crenças ou entre amigos que pensam de forma parecida, eleitores de
Bolsonaro e Haddad parecem falar sozinhos ou de frente para os próprios
espelhos.
A reportagem do Estado se
encontrou com um grupo de apoiadores de Bolsonaro que diz "não perder
tempo com quem não quer conversar e é xiita", segundo a gerente de RH
Priscila Wilbert.
No encontro com eleitores de
Haddad, um sentimento parecido: "Não consigo conversar ou ter
relacionamento próximo com 'bolsominions', com quem fala que o Brasil vai virar
uma Venezuela com o PT", disse a publicitária Ana Carolina Macedo. Entre
essas bolhas, existe ainda um terceiro grupo: pessoas que devem anular ou votar
em branco. "Nenhum deles me representa. Em tempos de ódio o não
posicionamento é se posicionar", observou a executiva Diane da Costa.
Bolsonaristas contra o "mimimi"
A gerente de recursos humanos Priscila
Wilbert, de 39 anos, diz ter colocado o Facebook no "modo soneca para não
ler comentários desagradáveis de eleitores do PT". Ela também saiu de
grupos de WhatsApp sobre comunicação não violenta e veganismo por ter sido
chamada de racista. Agora, Priscila conta que 90% dos seus amigos e conhecidos
votam em Jair Bolsonaro e que não perde tempo em conversar "com quem não
quer escutar e é xiita".
A reportagem do Estado encontrou
Priscila e outros três eleitores de Jair Bolsonaro (PSL): o empresário Rogério
Wilbert, de 49 anos, marido de Priscila; o analista de sistema Vinícius Souza
Diamantino, de 21; e o gerente de projetos Luciano Ramos Junior, de 39. A
conversa aconteceu em um lugar definido por eles: a praça de alimentação de um
shopping center de São Paulo
Os amigos bolsonaristas dizem que
o apoio ao candidato do PSL é um voto contra corrupção, valores distorcidos e o
socialismo representado pelo PT. O medo de uma "venezuelização" do
Brasil também está presente - assim como um senso de patriotismo.
"Quero que a minha filha
aprenda a cantar o Hino Nacional na escola como eu aprendi", comentou
Priscila.
Nada tem irritado mais Luciano
Ramos do que ser chamado de fascista por eleitores de Haddad. "Quando
falam que a gente é fascista, está na cara que não estudaram, não sabem o que
estão falando e (nem) sequer sabem o que é o fascismo", disse.
A questão religiosa também parece
importante para o grupo de bolsonaristas. Vinicius Souza Diamantino conta que,
como cristão evangélico, não pode se omitir - principalmente "pelo apoio à
ideologia de gênero" que o PT representa. Segundo eles, o que existe
contra Bolsonaro é "mimimi". "Eu sofro preconceito por ser
liberal, quase branco, casado com uma mulher, cristão... Minha mulher ganha
mais do que eu, e eu acho fantástico", afirmou Ramos.
Para o grupo, as polêmicas em que
o capitão reformado se envolve são "turbinadas" pelos opositores.
"São coisas que meu pai falaria e que todo mundo ri. Não tem nada
demais", disse.
Haddadistas criticam violência
A publicitária Ana Carolina
Macedo, de 28 anos, confessa ser difícil ter empatia por quem vota em
Bolsonaro. "Não consigo ter um relacionamento muito próximo com
'bolsominions'. Não dá match " Ela admite que só fala sobre política com
pessoas de sua própria bolha e amigos. "Eu não sei como iniciar um debate
com quem fala que o Brasil vai virar uma Venezuela se o PT ganhar. É tão
absurdo que não tem nem como rebater."
A reportagem do Estado encontrou
Ana Carolina e outros três eleitores de Fernando Haddad (PT): os também
formados em publicidade Thiago Guimarães, de 32 anos, Dandara de Carvalho, de
26, e Mariella Nascimento, de 27. A conversa aconteceu em um lugar definido por
eles: um bar no bairro Santa Cecília, no centro de São Paulo.
Os amigos haddadistas dizem que o
apoio ao candidato petista é um voto "em favor da democracia e contra o
discurso do ódio". Embora afirmem que nem todo eleitor de Bolsonaro
"seja fascista", eles atribuem à postura do candidato do PSL uma onda
de violência nas eleições. "Existe agora o medo de apanhar na rua",
disse Thiago Guimarães. "E o kit gay que o Bolsonaro tanto fala? Eu não
recebi."
Nada irrita mais Guimarães do que
os ataques sistemáticos ao PT. "O antipetismo é bizarro", afirmou.
"Muita gente, muito empresário ganhou dinheiro no governo do PT e agora
vêm com esse papo de Venezuela", completou. Para ele, o partido lançou luz
sobre a corrupção existente e deixou a Polícia Federal investigar como nenhum
outro partido fez.
Para Mariella Nascimento e Dandara
de Carvalho, o brasileiro é "preguiçoso" para discutir política - e
isso fez com que Bolsonaro crescesse. "Os bolsonaristas dominam melhor as
ferramentas de internet. Jogam esse jogo melhor. Eles atuam de forma muito
forte e até a exaustão", disse Mariella.
Os eleitores do Haddad também
consideram o discurso sobre segurança pública e violência repetido por
Bolsonaro algo "fácil" e sem profundidade. "Falar que vai acabar
com a bandidagem não é plano de governo", afirmou Ana Carolina.
"Nenhum lado quer entender o
outro"
Além de não dialogar entre si, as
"bolhas" que apoiam Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) não
conseguiram, pelo menos até agora, conversar com eleitores que pertencem a um
terceiro grupo: os isentos - aqueles que pretendem anular o voto ou votar em
branco no segundo turno. "Nenhum deles me representa", disse Diane
Alves da Costa, de 27 anos, executiva de contas de uma rede de hotelaria.
Esse grupo é formado, em sua
maioria, por eleitores de Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amoêdo (Novo). Ainda
assim, é possível encontrar gente que votou em Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva
(Rede) e outros candidatos no primeiro turno.
Além disso, são eleitores que, em
sua maioria, abdicaram de "bater boca" em redes sociais e grupos de
WhatsApp - evitando até conversas mais profundas com seus parentes mais
próximos.
"Em tempos de ódio, o não
posicionamento é se posicionar", afirmou Diane. Para não se posicionar, a
executiva preferiu não ter em seu celular nenhum grupo de discussão sobre
eleições. "Não tem diálogo. Nas redes sociais, um não quer entender o
outro", disse. "Tem fanatismo dos dois lados. Já ouvi discursos
inflamados de bolsonarista e de petista", completou.
Para o engenheiro agrônomo Caio
Cugler Siqueira, de 25 anos, os políticos não entenderam os protestos de 2013 e
o efeito da Lava Jato. "O desejo por uma renovação no sistema político foi
subestimado."
Clichês
"O País se perdeu em um
debate de clichês entre segurança pública, armas, ameaça comunista e Lula,
enquanto temas como economia, desemprego, reforma tributária, política e
previdência são ignoradas ou superficialmente discutidas", disse Siqueira.
Ele também não acredita que
Haddad nem Bolsonaro sejam capazes de encerrar a polarização, considerando que
ambos têm os maiores índices de rejeição entre todos aqueles que se
candidataram.
Na opinião do empresário Afonso
Soares Trigo, de 32 anos, eleitor de Marina Silva no primeiro turno, petistas e
bolsonaristas agem com arrogância e parecem donos da razão. "É impossível
conversar com os dois lados. Eles simplesmente querem impor uma visão de
mundo", afirmou. Por enquanto, Soares pretende votar em branco. "Vai
ser a primeira vez que vou fazer isso. Ainda não bati o martelo, mas essa é a
tendência", afirmou o empresário.
"O WhatsApp da minha família
virou um campo de guerra. Quando não tem ofensa direta, tem alfinetada. Já
bloqueei e avisei que nem vou votar", disse a estudante de publicidade
Amanda Dias, de 21 anos.
Fonte: O Estado
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