segunda-feira, 13 de junho de 2016

Natalino Salgado: Entusiasta da democracia e incentivador da ciência


Por Diego Emir

Os últimos acontecimentos no Brasil me fizeram recordar um momento pelo qual o país atravessou e, também, um personagem de suma importância para nossa história. O ano é 1993, fomos às urnas, mas não para escolher um candidato, num período em que a redemocratização ainda dava seus primeiros passos. Naquele ano, atendendo a uma emenda determinada por nossa jovem Constituição, escolheríamos o regime de representação do país: presidencialismo ou parlamentarismo. Mais de 100 anos depois de instalada a República, os brasileiros tiveram a oportunidade de decidir se desejavam o retorno da forma de governo monárquico.
O Presidencialismo e a República ganharam com margem expressiva. Os monarquistas, entretanto, chegaram a 10% do total dos votos. O argumento defendido pelo principal patrocinador da defesa do retorno da monarquia ­ o então deputado federal Antônio Henrique Bittencourt da Cunha Bueno ­ era de que, na época de Dom Pedro II, o Brasil vivera o período de maior estabilidade da sua história, além de que havia austeridade e honestidade no trato da coisa pública. Dom Pedro II, nosso último imperador, era conhecido pela simplicidade de como vivia, a ponto de primos europeus que o visitaram terem comentado que a corte brasileira era “a mais miserável do universo”.
Esse comportamento de comedimento e integridade fazia com que o imperador recusasse aumentos salariais e, quando viajava, bancava as passagens com seus próprios recursos. Além disso, manteve em todo o seu longo reinado de 48 anos um espírito democrático e tolerante a ponto de aceitar a existência de um Partido Republicano e uma imprensa livre que nem sempre o tratou com o respeito devido. Ao contrário, dele se diz que suportou olimpicamente os piores ataques, incluindo charges parecidas com as que hoje ilustram o semanário francês Charlie Hebdo.
Dom Pedro II é reconhecido pelos estudiosos como um homem de múltiplos interesses, curiosidade pelas novas descobertas, amante da arte e dos livros e, surpreendentemente, um abolicionista convicto. Some-­se ainda a todos esses adjetivos outra iniciativa de sua Majestade que diz respeito a todos que são discípulos de Hipócrates: a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro ­ fundada em 1829, por um grupo de médicos, cuja sede foi na residência de seu primeiro presidente, Joaquim Cândido Soares de Meirelles ­ contou com a soberana presença de Dom Pedro II, na solenidade que elevou a agremiação à categoria de Academia Imperial de Medicina, ocorrida em 30 de maio de 1835.
Como entusiasta das ciências e letras ele se tornou membro ativo da Academia e nos cinquenta anos seguintes, participou e presidiu suas reuniões semanais, período em que foi seu maior incentivador e patrono. A Academia nasceu com o intuito de prestar suporte técnico ao governo, na área da saúde; e de fazer circular o conhecimento, a troca de experiências e fomento da pesquisa e desenvolvimento da ciência da saúde. Em seus 187 anos de existência ­ com o advento da República passou a se chamar de Academia Nacional de Medicina ­, tem mantido o fio de inspiração de seus fundadores.
O Brasil continua carente de homens com a fibra de Dom Pedro II, principalmente de sua atitude estoica como servidor do povo, um comportamento republicano que mostrava em respeito aos parcos recursos dos quais dispunha o país. Uma frase sua em meio ao caos da proclamação da República ­ que lhe reservou o pior tratamento possível ­ serve para nosso momento de travessia: “Se tudo está perdido; que haja calma”.
Natalino Salgado Filho
Doutor em Nefrologia, ex-­reitor da UFMA, membro da AML, do IHGM e da AMM

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