Por Diego Emir
Os últimos acontecimentos no Brasil me fizeram recordar um momento pelo qual o país atravessou e, também, um personagem de suma importância para nossa história. O ano é 1993, fomos às urnas, mas não para escolher um candidato, num período em que a redemocratização ainda dava seus primeiros passos. Naquele ano, atendendo a uma emenda determinada por nossa jovem Constituição, escolheríamos o regime de representação do país: presidencialismo ou parlamentarismo. Mais de 100 anos depois de instalada a República, os brasileiros tiveram a oportunidade de decidir se desejavam o retorno da forma de governo monárquico.
O Presidencialismo e a República ganharam com margem expressiva. Os monarquistas, entretanto, chegaram a 10% do total dos votos. O argumento defendido pelo principal patrocinador da defesa do retorno da monarquia o então deputado federal Antônio Henrique Bittencourt da Cunha Bueno era de que, na época de Dom Pedro II, o Brasil vivera o período de maior estabilidade da sua história, além de que havia austeridade e honestidade no trato da coisa pública. Dom Pedro II, nosso último imperador, era conhecido pela simplicidade de como vivia, a ponto de primos europeus que o visitaram terem comentado que a corte brasileira era “a mais miserável do universo”.
Esse comportamento de comedimento e integridade fazia com que o imperador recusasse aumentos salariais e, quando viajava, bancava as passagens com seus próprios recursos. Além disso, manteve em todo o seu longo reinado de 48 anos um espírito democrático e tolerante a ponto de aceitar a existência de um Partido Republicano e uma imprensa livre que nem sempre o tratou com o respeito devido. Ao contrário, dele se diz que suportou olimpicamente os piores ataques, incluindo charges parecidas com as que hoje ilustram o semanário francês Charlie Hebdo.
Dom Pedro II é reconhecido pelos estudiosos como um homem de múltiplos interesses, curiosidade pelas novas descobertas, amante da arte e dos livros e, surpreendentemente, um abolicionista convicto. Some-se ainda a todos esses adjetivos outra iniciativa de sua Majestade que diz respeito a todos que são discípulos de Hipócrates: a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro fundada em 1829, por um grupo de médicos, cuja sede foi na residência de seu primeiro presidente, Joaquim Cândido Soares de Meirelles contou com a soberana presença de Dom Pedro II, na solenidade que elevou a agremiação à categoria de Academia Imperial de Medicina, ocorrida em 30 de maio de 1835.
Como entusiasta das ciências e letras ele se tornou membro ativo da Academia e nos cinquenta anos seguintes, participou e presidiu suas reuniões semanais, período em que foi seu maior incentivador e patrono. A Academia nasceu com o intuito de prestar suporte técnico ao governo, na área da saúde; e de fazer circular o conhecimento, a troca de experiências e fomento da pesquisa e desenvolvimento da ciência da saúde. Em seus 187 anos de existência com o advento da República passou a se chamar de Academia Nacional de Medicina , tem mantido o fio de inspiração de seus fundadores.
O Brasil continua carente de homens com a fibra de Dom Pedro II, principalmente de sua atitude estoica como servidor do povo, um comportamento republicano que mostrava em respeito aos parcos recursos dos quais dispunha o país. Uma frase sua em meio ao caos da proclamação da República que lhe reservou o pior tratamento possível serve para nosso momento de travessia: “Se tudo está perdido; que haja calma”.
Natalino Salgado Filho
Doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da AML, do IHGM e da AMM
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