Ao assumir a Presidência, Lula prometeu a retomada de investimentos na área da ciência e tecnologia e, em menos de dois meses, anunciou o reajuste do valor das bolsas para mestrado e doutorado no país. Por isso, a retirada de recursos da Capes surpreendeu o setor.
Na última segunda feira (9), a presidente da Capes, Mercedes Bustamante, participou de uma audiência com sociedades científicas e confirmou que o órgão sofreu, apenas em agosto, um contingenciamento de R$ 86 milhões. Do total de recursos contingenciados, R$ 50 milhões foram bloqueados da DPB (Diretoria de Programas e Bolsas) e R$ 36 milhões de programas de formação de professores da educação básica. Na última semana, a Capes foi informada do contingenciamento de mais R$ 30 milhões da DRI (Diretoria de Relações Internacionais).
Em nota, o Ministério da Fazenda disse que o Ministério da Educação é responsável pela execução orçamentária da Capes. Procurado pela Folha no fim da tarde desta segunda (16), o MEC não respondeu até agora a publicação. Bustamante também disse já ter sido comunicada que R$ 50 milhões do total contingenciado não retornarão ao orçamento de 2023. "O que me preocupa é que o contingenciamento pode ser o primeiro passo para algo mais critico", disse a presidente no encontro.
O governo federal também apresentou uma proposta do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2024, com uma redução orçamentária para a Capes, de R$ 128 milhões a menos do que o deste ano. "Ficamos muito surpresos com essas situações. Bloqueios são muito graves, mas eles ainda podem ser revertidos, caso o governo alcance a meta estabelecida pelo Ministério da Fazenda. O problema é o corte previsto para o próximo ano", disse Robério Rodriges Silva, presidente do Foprop (Fórum Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós- graduação das Instituições de Ensino Superior Brasileiras).
O orçamento de R$ 5,5 bilhões da Capes deste ano é o maior dos últimos sete anos, sendo que R$ 4,6 bilhões são direcionados para o pagamento de bolsas de estudo, tanto para mestrado e doutorado, quanto para pesquisadores no exterior ou formação de professores da educação básica.
"Os recentes bloqueios/cortes no orçamento da Capes impactam diretamente a qualidade da formação de mestres e doutores, prejudicando assim a produção de conhecimento cientifico e a capacidade das instituições de ensino superior brasileiras competirem internacionalmente no campo da pesquisa e inovação", diz trecho da carta divulgada pelo Foprop.
Entidades como SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ABC (Academia Brasileira de Ciências) e Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das instituições Federais de Ensino Superior) também divulgaram carta conjunta na qual relatam preocupação com as restrições orçamentárias.
"Com os recentes bloqueios, cortes e uma perspectiva muito desfavorável no Projeto de Lei Orçamentária 2024 para a Capes, fica dificil acreditar no lema 'A Ciência voltou, pois é justamente no sistema nacional de pós graduação onde se encontra o esteio central do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro", diz o texto.
Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, diz ver com muita preocupação os bloqueios e a previsão de orçamento menor para o próximo ano.
"A gente sabe que a situação económica do país é critica, mas temos que defender a causa da ciência até porque muito do projeto de inclusão social passa pelo desenvolvimento científico", disse ele, que foi ministro da Educação na gestão Dilma Rousseff (PT).
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Estudantes protestam no centro do Rio contra cortes no orçamento do MEC (Ministério da Educação) Na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o corte chega a mais de R$ 15 milhões Eduardo Anizelli/Folhapress. |
No fim de 2022, mais de 200 mil pós-graduandos da Capes ficaram sem receber bolsas após um congelamento de verbas do MEC (Ministério da Educação), aprovado pelo então Ministério da Economia. Naquele ano, o último do governo Bolsonaro, o orçamento do órgão era de R$ 3,8 bilhões.
A ANPG (Associação Nacional de Pós Graduandos) ressaltou a preocupação com o contingenciamento e a projeção de corte orçamentário para 2024 em um momento ainda de recuperação da Capes.
"É preciso destacar que o Brasil ainda está enfrentando as consequências do estrangulamento financeiro ocorrido nos últimos seis anos", diz a carta divulgada pela associação.
Depois de um periodo de aumento de investimentos em pesquisa cientifica, o pais atravessa, desde 2017, uma série de cortes no orçamento da ciència. Essa instabilidade levou a chamada fuga de cérebros e, nos últimos anos, resultou também na queda das titulações de doutorado depois de atingir, em 2019, numero recorde de formação de doutores, com 24.422, o Brasil registrou dois anos consecutivos de redução, chegando a 20.671, em 2021.
A carta da entidade diz que um possível corte no orçamento do próximo ano pode agravar a situação atual, colocando em riscos os avanços registrados neste ano, com o aumento do valor e da quantidade de bolsas.
"O governo atual, apoiador da ciência, acertou ao acatar a demanda da comunidade científica e reajustou a maioria dos tipos de bolsas de estudos e pesquisa, aumentando também a quantidade disponível. Logo, a recomposição do orçamento da Capes para 2023 é imperiosa e urgente, a fim de que não haja interrupções nos programas e projetos em andamento", defende a ANPG.